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Os reflexos do caso das Lojas Americanas na apólice D&O

Procedimentos instaurados e possíveis coberturas que poderão ser acionadas

Em 11/01/2023, foi divulgado pelas Lojas Americanas S/A, que haviam sido verificadas “inconsistências em lançamentos contábeis” nos balanços da companhia, e que os prejuízos poderiam chegar inicialmente a R$ 20 bilhões. Também foi comunicado que seu Presidente, Sérgio Rial, e o Diretor Financeiro, André Covre, deixaram o cargo nove dias após assumirem.


As inconsistências relatadas decorrem, segundo as notícias, de “operações de financiamento de compras em valores da mesma ordem, nas quais a Companhia é devedora perante instituições financeiras e que não se encontram adequadamente refletidas na conta de fornecedores nas demonstrações financeiras". Atualmente, os prejuízos calculados já somam valores na ordem de R$ 43 bilhões.


Os lucros falsamente obtidos teriam possibilitado à companhia distribuir proventos aos seus acionistas, com valores muito acima do que outras empresas no mercado, bem como o pagamento de altíssimos bônus a seus executivos. Além disso, a companhia também teria sido beneficiada com o abatimento no pagamento de Imposto de Renda, na distribuição de proventos a seus acionistas.


Com o rombo apresentado, as Lojas Americanas apresentaram pedido de recuperação judicial, com o intuito de dirimir os danos causados ao mercado de forma geral e à credibilidade do sistema econômico e financeiro nacional. O pedido foi deferido em 19/01/2023 pelo juízo da 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro.


Diante da gravidade das alegações e da possível responsabilização de seus administradores, é evidente que o Seguro para Diretores e Administradores – D&O poderá será acionado. Tal seguro é contratado pela empresa tomadora em favor de seus dirigentes, com o objetivo de resguardar o patrimônio destes quando em risco de constrição, em razão de decisões tomadas no exercício de suas atribuições de gestão.


Pelas notícias apresentadas ao mercado, é possível identificar que Diretores e Administradores podem ser pessoalmente responsabilizados, inclusive respondendo com seu patrimônio pessoal, caso reste comprovado que agiram com culpa ou dolo e em violação ao estatuto da companhia, conforme previsto na Lei das S/As. Além disso, o conselho fiscal da companhia, que deveria desempenhar um papel crucial para evitar que esse tipo de conduta danosa e fraudulenta se perpetuasse durante o tempo, também pode incorrer em penalidades, principalmente no que tange à fiscalização de distribuição de proventos, dever de informar em Assembleia Geral fraudes ou crimes cometidos e, também, examinar as demonstrações financeiras do exercício social.


Além das infrações previstas na Lei das S/As, os dirigentes podem também ter incorrido naquelas previstas na Lei nº 6.385/76, que trata sobre o Mercado de Valores Mobiliários e sobre a Comissão de Valores Mobiliários, no que tange ao cometimento de operações simuladas com o fim de obter vantagem indevida ou lucro, e também no crime de Insider Trading, que diz respeito à utilização de informação relevante de que tenha conhecimento, ainda não divulgada ao mercado, que seja capaz de propiciar vantagem indevida de valores mobiliários.


No site da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, consta a notícia de que já foram instaurados ao menos sete procedimentos administrativos, os quais visam, dentre outros:


(i) apurar irregularidades envolvendo informações contábeis;

(ii) apurar irregularidades na divulgação de notícias, fatos relevantes e comunicados;

(iii) apurar irregularidades nas negociações com ativos de emissão da companhia;

(iv) apurar denúncia recebida pelos canais de atendimento da Autarquia;

(v) analisar a conduta da companhia, acionistas de referência e administradores em relação à divulgação do pedido de tutela cautelar antecedente vis-à-vis as informações divulgadas, até então, por meio do Fato Relevante datado de 11/01/2023, bem como em relação à decisão da Companhia de ajuizar pedido de recuperação judicial com créditos estimados em R$ 43 bilhões;

(vi) tratar da atuação de intermediários enquanto coordenadores líderes em ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários de emissão da companhia, e;

(vii) avaliar a atuação das agências de classificação de risco de crédito, no âmbito das emissões que tenham as Lojas Americanas como devedoras ou coobrigadas.


Além dos processos instaurados, a autarquia informou na mesma publicação a realização de convênio com a Polícia Federal e o Ministério Público, além de manter o diálogo com a Advocacia Geral da União para coordenar eventual atuação conjunta em juízo.


Não obstante a flagrante possibilidade de que as imputações resultem em penalidades decorrentes de dolo, este somente é comprovado após a devida investigação e condenação judicial transitada em julgado em desfavor dos responsáveis.


Assim, no que tange ao acionamento do seguro D&O, há que se verificar as questões formais quando de sua contratação, e uma delas diz respeito à possibilidade de ter havido incoerência ou preenchimento de informações inexatas no questionário de avaliação de risco. É de praxe o questionamento acerca de os dirigentes da companhia terem conhecimento de qualquer fato ou circunstância que possam dar origem a uma reclamação futura coberta pelo seguro de D&O, e, também, é nesse momento que o balanço patrimonial da sociedade é avaliado, para fins de cálculo de prêmio.


No caso das Lojas Americanas, há evidências de que dirigentes internos já detinham conhecimento das possíveis irregularidades na ocultação de informações nas suas demonstrações financeiras. Por outro lado, antes de qualquer investigação e condenação dos envolvidos, a Seguradora avaliará a fragilidade de uma negativa de cobertura securitária fundada tão somente em informações inexatas no questionário de subscrição de risco.


Assim, em havendo o acionamento do seguro, a cobertura básica será a de custos de defesa, indenizável àqueles que tenham ocupado cargo de gestão à época do cometimento das condutas imputadas, além do pagamento / reembolso dos custos de defesa aos dirigentes, possibilidade prevista nas coberturas “A” e “B” da apólice.


A Tomadora (Lojas Americanas), por sua vez, também pode ter seus custos de defesa reembolsados se eventualmente contratada a cobertura “C” para reclamações decorrentes de mercado de capitais. Cumpre ressaltar que tais custos são adiantados pela companhia seguradora antes do término dos processos, porém, no caso de sobrevir condenação por dolo, os custos antecipados deverão ser ressarcidos à seguradora.


Além disso, coberturas adicionais para multa e tributos, se contratadas, eventualmente poderão ser reclamadas, mas em havendo condenação ao pagamento destas, se decorrerem de dolo, não serão, assim, passíveis de indenização.


O possível cometimento de crime de Insider Trading também está sob investigação no presente imbróglio. No entanto, para este tipo de reclamação não há que se falar em indenização, já que tal prática não se trata de ato de gestão. Nesse sentido, destaca-se o julgado do Superior Tribunal de Justiça no RESP n° 1.601.555, o qual considerou Insider Trading como doloso e manteve a negativa de cobertura para os custos de defesa do dirigente.


O caso das Lojas Americanas sem dúvida é um divisor de águas para o seguro D&O. O impacto financeiro que as seguradoras poderão sofrer em decorrência de possíveis indenizações pode resultar em inclusões de cláusulas específicas no clausulado do produto, para o mercado como um todo, tal como ocorreu após pagamentos de vultuosos custos de defesa a dirigentes investigados na Lava Jato, em que foi inserida excludente de atos lesivos contra a administração pública.


Diante do exposto, o caso das Americanas é de extrema relevância no contexto atual, inclusive porque além das coberturas citadas acima, outras também poderão ser reclamadas. Além disso, outros seguros também poderão ser acionados, como o de responsabilidade civil profissional, se contratado, a depender do curso das investigações e seu direcionamento em desfavor das auditorias externas responsáveis pela aprovação das contas da empresa.

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